Discussões sobre cristianismo, cultura e mídia: Você pode estar errado, aceite




Tenho visto algumas coisas no nosso meio cristão que têm me preocupado imensamente.
Não estou falando de coisas que começaram a acontecer no século XXI. 
Estou falando de um comportamento antigo e que eu tenho visto desde que me entendo por gente.
Nos últimos dias isso voltou à minha mente graças a uma matéria sobre música cristã numa revista e também um post no Facebook onde alguém acusava o logo de uma Bíblia de estudos lançada recentemente de carregar como mensagem subliminar um símbolo da Nova Era.

Não quero aqui entrar em uma daquelas discussões intermináveis em textos obscuros sobre estilos musicais ou mensagens subliminares. Não que eu ache que cultura e mídia não devam ser discutidos. Vivemos num mundo cheio desses dois elementos e querendo ou não eles nos influenciam e nós os influenciamos também. 
A questão é que não estamos prontos a discutir sobre cultura e mídia enquanto não aprendermos a conversar de forma sábia sobre este e qualquer outro assunto.
Não estamos prontos para chegar a conclusões sábias sobre o assunto enquanto não conseguirmos enxergar com clareza a linha tênue entre o zelo pelos princípios e o julgamento, que muitas vezes pode ser até involuntário, mas continua problemático.
Não estamos prontos para apresentar argumentos convincentes sobre qualquer coisa a respeito disso enquanto não aprendermos a ler e aplicar o texto bíblico e os textos de Ellen White da maneira correta e, mais do que isso, guiados pelo Espírito Santo.
Aliás, não estamos prontos para falar sobre isso enquanto não entendermos o que é cultura e mídia, como elas funcionam e o que realmente acontece no mundo a respeito delas.

Meu maior problema com essas discussões é a forma como nós entramos nelas. Há todo um processo: Alguém lança algum produto artístico, as pessoas ouvem falar disso e vão procurar saber  que é. E esse "procurar saber o que é" pode ser de três tipos:

1 - A pessoa gosta do artista/autor e quer saber o que ele fez.
2 - A pessoa não conhece o artista/autor, mas recebeu algum tipo de indicação e foi procurar.
3 - A pessoa não gosta do artista/autor, acha que é alguém que tem problemas em fazer algo que seja agradável aos olhos de Deus, vai procurar pra ver o que é que os nossos jovens estão consumindo de ruim e já planeja diversas formas de como encontrar textos bíblicos e em autores cristãos para provar que não é bom consumir aquele tipo de coisa.

Geralmente é esse último item que é o estopim das discussões intermináveis e quase nunca saudáveis sobre o assunto cultura/mídia. Claro, existem as pessoas que discordam umas das outras e discutem sobre isso de forma saudável com a intenção de aprender mais sobre o assunto e buscar o que é o certo - tenho várias dessas conversas com amigos meus. Mas meus quase 25 anos de cristão (nos quais eu já me meti, e as vezes ainda me meto, embora evite, em discussões não saudáveis) me mostram que esses são a minoria.

E o que acontece é que você tem pessoas de dois lados de uma mesma moeda, sempre na defensiva, com textos bíblicos, textos proféticos, conhecimento de causa e frases de efeito na ponta da língua, prontos para defender ou condenar a arte de um, a forma de se comunicar de outro, a roupa de outro... E nesse frenesi em busca da "adoração adequada" ou do "discurso relevante", ambos esquecem do essencial.

Perde-se um tempo gigantesco tentando escrever as "95 teses de justificação pela forma" e como nós temos que voltar às nossas origens e raízes ou em como temos que aprender a nos comunicar de forma relevante com o mundo pós-moderno, que esquecemos de aprender a ler a Bíblia, ler os livros inspirados e encontrar Deus neles. Esquecemos de que nem sempre as pessoas entendem mídia e cultura do mesmo jeito que nós entendemos.
Aliás, esquecemos também de enxergar as pessoas como pessoas e passamos a enxergá-las como objetos em linha de produção que podem ser abertos e escrutinados por nossos olhos críticos, que ao final de um exame minucioso da mensagem e das obras dessas pessoas, poderemos chegar a uma conclusão certa e definitiva a respeito da influência negativa ou positiva dessa pessoa no meio cristão.
O resultado é que, enquanto alguns criam a regulamentação do que a membresia da igreja consome de forma legalista e preconceituosa, outros abrem a torneira e colocam todo mundo pra beber de fontes não filtradas que provavelmente vão deixar passar coisas que não deveriam ser consumidas. 

E ninguém lembra que para se estudar a Bíblia e os autores cristãos, é necessário conhecimento do contexto literário, cultural e histórico de tudo o que se lê para se fazer aplicações tão contundentes de textos e não correr o risco de usar o mandamento de "Não dirás falso testemunho" para falar sobre como é errado criar histórias fictícias para ilustrar lições pertinentes de moral e esquecer que Jesus fez isso contando parábolas. O exemplo que dei parece absurdo, mas é como funciona a maior parte das argumentações que já vi nesse tipo de discussão.

E não estou falando apenas de discussões de leigos. Muitas vezes assisto palestras e leio ensaios de excelentes profissionais e lideres religiosos que se utilizam - e não acho que seja de mé fé - desse tipo de argumento para defender um ponto de vista. E o título de phD unido a uma boa produção de texto, influencia e fomenta o farisaísmo preguiçoso de milhares de pessoas que não foram ensinadas na Escola Sabatina a fazer distinção entre Santuário e sinagoga por que estavam ocupadas em discutir se podiam ou não retirar as cadeiras do "lugar santíssimo" (leia-se púlpito) da igreja.

Veja bem, não estou aqui fazendo juízo de valor sobre a vida espiritual de ninguém. Eu não tenho autoridade ou conhecimento de causa absolutamente nenhum pra isso. Aliás, isso aqui não é um texto de alfinetar "conservadores" ou ensinar "liberais" (detesto esses termos aplicados nesse contexto, mas não achei outras palavras), mas é um desabafo sobre o que realmente importa pra nós, como cristãos.

Nós, como líderes ou formadores de opinião, não temos como missão regulamentar o que nossos jovens leem, ouvem e assistem. Não é nossa função decidir o que eles vão fazer da vida deles. Nosso trabalho é entender e estudar as verdades bíblicas, desenvolver um relacionamento íntimo com Deus e tentar fazer com que outros entendam que esse relacionamento rege tudo na nossa vida. Quem vai fazer o trabalho de conversão deles - que é onde eles mudam os hábitos - é o Espírito Santo, não eu ou você.

A relação entre cristianismo e cultura é algo que deve ser discutido sim, mas só estaremos preparados para fazer isso se estivermos com plena consciência de que a Bíblia é uma fonte de verdade absoluta, mas não tem respostas pré-fabricadas para serem usadas em todas as situações. O jornalista Steve Turner diz em seu livro "Engolidos pela Cultura Pop" (2013) que "O separatista geralmente lida com a cultura popular aplicando a mesma regra a tudo; o cristão dividido, aplicando a regra de aceitar tudo. Ambos evitam a difícil tarefa de ser ao mesmo tempo crítico e espiritualmente engajado."

Não há respostas prontas para essas questões. Não há um jeito fácil de lidar com isso. 
Não sabemos ler e interpretar a Bíblia e o Espírito de Profecia corretamente, não sabemos separar o que achamos que é do que realmente é, não sabemos exortar sem julgar, não entendemos que não dá pra ser conivente com práticas pecaminosas na mesma medida que não dá pra ser alienado em relação à cultura e ao comportamento das pessoas.

E não vejo como podemos começar a entender essas coisas se continuarmos sendo preguiçosos na hora de pensar de forma crítica e saber escolher a coisa certa em cada situação ao invés de criar uma listinha de regras que não têm base bíblica ou simplesmente eliminarmos qualquer tipo de regra da nossa vida prática; se continuarmos utilizando o argumento do "pelos seus frutos os conhecereis" de Mateus 7 e esquecermos da primeira parte do capítulo sobre julgamento e da última sobre dizer "Senhor, Senhor" e expulsar demônios sem conhecer a Deus; se continuarmos olhando para a história do Fariseu e do Publicano e continuar dizendo "Ainda bem que não sou como aquele fariseu"; se continuarmos colocando os carros na frente dos bois e acharmos que somos donos da verdade. 

Por favor, se você acha que tem a verdade, dê um passo pra trás e repense.
Não tem como você possuir a Verdade se primeiro a própria Verdade, que é Cristo, não possuir você e destruir todos os seus ídolos de opinião e fazê-lo repensar todas as suas convicções.
Uma vez que você escolheu o cristianismo, as verdades bíblicas claras são universais e imutáveis, mas quando entramos no campo das coisas polêmicas, não tão fáceis e não tão claras assim, nunca se esqueça: se não estivermos tão próximos de Cristo a ponto de conseguirmos olhar para todas as pessoas com amor e misericórdia, sempre tenha em mente que você pode estar redondamente enganado sobre suas certezas.

"Não julguem, para que vocês não sejam julgados.
Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês.
"Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão, e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho?
Como você pode dizer ao seu irmão: ‘Deixe-me tirar o cisco do seu olho’, quando há uma viga no seu?
Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão.
"Não dêem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas pérolas aos porcos; caso contrário, estes as pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês, os despedaçarão".
"Peçam, e lhes será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta lhes será aberta.
Pois todo o que pede, recebe; o que busca, encontra; e àquele que bate, a porta será aberta.
"Qual de vocês, se seu filho pedir pão, lhe dará uma pedra?
Ou se pedir peixe, lhe dará uma cobra?
Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai de vocês, que está nos céus, dará coisas boas aos que lhe pedirem!
Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas".
"Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela.
Como é estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida! São poucos os que a encontram".
"Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores.
Vocês os reconhecerão por seus frutos. Pode alguém colher uvas de um espinheiro ou figos de ervas daninhas?
Semelhantemente, toda árvore boa dá frutos bons, mas a árvore ruim dá frutos ruins.
A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim pode dar frutos bons.
Toda árvore que não produz bons frutos é cortada e lançada ao fogo.
Assim, pelos seus frutos vocês os reconhecerão!
"Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus.
Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres? ’
Então eu lhes direi claramente: ‘Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal! ’ "
"Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as pratica é como um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha.
Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela não caiu, porque tinha seus alicerces na rocha.
Mas quem ouve estas minhas palavras e não as pratica é como um insensato que construiu a sua casa sobre a areia.
Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela caiu. E foi grande a sua queda".
Quando Jesus acabou de dizer essas coisas, as multidões estavam maravilhadas com o seu ensino,
porque ele as ensinava como quem tem autoridade, e não como os mestres da lei."
Mateus 7

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