Como a religião me ensinou a pensar

Para Ler Ouvindo: Mente & Coração (Leonardo Gonçalves)



A decepção da sociedade ocidental com a religião ao passar da "Idade das Trevas" para a "Era do Conhecimento" foi tão grande, que a religiosidade passou a ser considerada como um sinal de ignorância por muitos.
Hoje as pessoas dizem que religião não está diretamente ligada à ignorância, mas não aceitam bem que ela seja um aspecto tão importante da vida humana que acabe ditando a forma como a pessoa vê o mundo. No pensamento comum, a religião parece ser apenas um passatempo para os fins de semana, uma forma de consolo para lidar com a dor.
Ou seja, a religião não pode ser um norteador intelectual. Uma religião vivida com muita convicção pode alienar as pessoas e torna-las ignorantes.

Embora isso seja parcialmente verdade – muitos vivem uma religião de superficialidade e julgamento, e acabam se fechando ao conhecimento e à experiência "fora da bolha congregacional" – as afirmações de que uma vida religiosa ativa aliena e “emburrece” a humanidade não têm fundamento.

Não posso falar pelas outras religiões além do cristianismo, pois apesar de conhecer diversas delas na teoria, na prática só conheço o cristianismo, mas considero não só inconsequente como também ignorante a afirmação de que a religião vivida intensamente apenas aliena e torna as pessoas “ingênuas”.

A fé cristã não tem a ver com um sentimento de consolo e satisfação espiritual através de sensações e coisas do tipo, A fé é definida em Hebreus 11:1 como "a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos", uma definição que confere à crença um aspecto racional, embora não científico. É necessário intenso exercício intelectual para viver a fé da forma que a Bíblia prega.

Feliz ou infelizmente, não foi na escola secular que eu aprendi a pensar, questionar e pensar de forma crítica.
Desde criança, fui incentivado à leitura. Minha mãe lia para mim as histórias bíblicas na própria Bíblia e também em livros ilustrados – o que fazia com que eu conseguisse saber o que havia de diferente no material original e nos livros ilustrados, além de já incentivar a interpretação de imagens.
Em consequência disso, aprendi a ler cedo e fui incentivado por minha mãe a ler os livros que ela mesma lia tantas vezes pra mim. Assim como outros.

Na igreja adventista, temos o encontro semanal para estudos temáticos e sistemáticos da Bíblia, que chamamos de Escola Sabatina. A Escola Sabatina é dividida em classes que atendem todas as faixas etárias. Estudamos o assunto durante a semana em casa e no sábado recapitulamos o tema em comunidade. É como se todos os membros fizessem um estudo de teologia básica de forma permanente.
As pessoas talvez não entendam o quanto isso é importante. Lembro-me de estudar na adolescência em uma escola em que havia pouquíssimas pessoas da mesma religião que eu e convivia com essas pessoas e também com aulas que com frequência questionavam meu estilo de vida. E o fato de chegar na igreja aos sábados e discutir aspectos relevantes  da vida prática sob a ótica do cristianismo que a lição dos adolescentes trazia, me fez pensar mais a respeito das minhas próprias atitudes e nas atitudes das pessoas, me fez repensar minhas crenças e meus valores.
Por que fazemos o que fazemos? O que está por trás das nossas atitudes?
Não foi diferente na faculdade, onde o choque entre o que eu aprendia na faculdade e o que eu estudava em casa e na igreja me fez aprender a comparar realidades diferentes e entender (parcialmente) como a religião afeta o comportamento e a maneira de se relacionar das pessoas.

O fato de ler a Bíblia em busca de conhecimento, ao invés de me “bitolar”, apenas me tornou mais crítico. Afinal, aprendi que a Bíblia não se lê como eu lia os livros de ficção contemporâneos que estavam inseridos dentro do meu contexto ocidental. Eu tinha que ter uma visão ampla da Bíblia num geral. O fato de acreditar que a Bíblia era a palavra de Deus me fazia buscar respostas para perguntas difíceis que surgiam enquanto lia os textos. Eu tinha que relacionar textos e buscar conhecimento externo, trocar ideias com outras pessoas.

Em retrospecto, penso que a minha própria religião permitiu que eu a questionasse – como eu de fato o fiz.  Se eu devo meu senso crítico a algo além da criação questionadora da minha mãe, é justamente ao cristianismo como uma religião que prega o “culto racional” como meu “sacrifício vivo” e “transformação de mente” (Romanos 12:1-2), fazendo-me questionar não só meus próprios valores, como os valores do mundo ao meu redor, me ensinando a ser inconformado.

Não que eu seja “O” questionador ou “O” crítico. Não é isso. Não tenho a pretensão de parecer um grande estudioso ou um grande questionador e pensador. Longe de mim. Todos em algum nível somos suscetíveis a pressuposições que talvez nem saibamos quais sejam. Mas também sei que não sou burro, e caso seja alienado, a culpa definitivamente não é da minha religião. Muito pelo contrário, se ainda busco questionar as coisas, é por que aprendi isso com o cristianismo.

"E logo, durante a noite, os irmãos enviaram Paulo e Silas para Beréia; ali chegados, dirigiram-se à sinagoga dos judeus.
Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim.
Com isso, muitos deles creram, mulheres gregas de alta posição e não poucos homens."

Atos 17: 10-12

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