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24 de Dezembro de 2017.
Este sou eu como eu acordei hoje. Sem filtros, sem o photoshop de lei. Black meio torto, pseudo-barba e bigode por fazer. Alguns buracos na pele, um resquício de espinha enorme no queixo, olheiras gigantes de muito tempo sem dormir direito. As marquinhas que o papo deixa por causa da gordura no pescoço. Isso que não mostrei os 3 fios de cabelo no mamilo meio estufado pela gordura. Já basta a foto "3x4" acima pra chocar alguns. Vou poupá-los disso.
Mas este sou eu agora. Com minha querida falha na sobrancelha, meus profundos olhos castanhos, bem escuros, um menor que o outro, que gosto tanto. Meu nariz "de chapoca" sem cartilagem que gosto tanto.

Há 27 anos, depois de fazer minha mãe sofrer desde a sexta feira com as contrações, nasci na segunda, véspera de Natal, 13h30 do sol rachante de Teófilo Otoni, MG. Apesar disso, ela colocou meu nome de Jônathas, que vem do hebraico Yehonatan, numa transliteração porca, que significa "dádiva de Yahweh". Escapei de chamar Natalino por um nome que eu saberia apreciar mais tarde. Então eu era apenas um bebê enorme e pesado que dependia da mãe e do pai para absolutamente tudo.

Agora, quase três décadas depois (SOCORRO!), estou aqui escrevendo mais um de muitos textões para meu blog, sentado na casa onde meus pais moram - minha casa, na qual nunca morei de verdade, já que ne mudei antes dela ficar pronta - depois de um baita almoço de aniversário com vários dos parentes. O dia hoje em Teófilo Otoni não amanheceu tão quente quanto costuma e agradeci a Deus por isso (embora agora, às 18h52 esteja parecendo meio dia). Considerei um presente de aniversário de Papai. Estou com um sentimento estranho.



Lembro-me de que um dos meus sonhos de adolescência era ser famoso com alguma das minhas obras que nunca concluí. Entre os 8 e os 10 anos eu criei, conversando sozinho como um doido no quintal de casa, minhas próprias novelas e temporadas de desenhos animados baseados em sinopses de video game que eu lia em revistas de informática. Aos 12 anos eu invejava o Harry Potter. Aos 14 anos descobri que o autor de Eragon tinha 15 anos quando escreveu o livro que já era sucesso na época. Aos 15 anos comecei a escrever uma fantasia sobre vampiros que parei de escrever depois que Crepúsculo começou a fazer sucesso. Aos 20 vi Luan Santana, com 19 e uma voz bem mais irritante que a minha, fazer sucesso com uma música que tinha a poesia mais pobre do que a última música que eu tinha escrito. Aos 23 abandonei um projeto promissor de uma série de fantasia baseada no folclore brasileiro (uma espécie de Percy Jackson tupiniquim que, acredite, tava dando certo). Abandonei também os planos de fazer uma pós-graduação em roteiro para cinema e TV para virar este "teolonerd" que vocês conhecem.

Aos 27 anos eu fico pensando: se eu tivesse feito o sucesso que desejei, seria eu um desses jovens artistas que morrem aos 27?

Não que eu ache que eu seja algum tipo de gênio como eles eram. Não tenho o talento para música deles. Jimi Hendrix, Janis Joplin, Kurt Cobain, Amy Winehouse... E também não me considero melhor por que não morreria de overdose ou algo do tipo (até onde eu sei). Mas me peguei pensando: estou quase nos 30 e o que eu conquistei?

Tantos projetos que eu abandonei, tantas oportunidades que eu perdi. Se fosse mais organizado, será que seria alguém mais bem sucedido? Será que já teria um livro de sucesso? Quem sabe um CD gravado com minhas músicas autorais? Quem sabe já tivesse minha carteira de motorista? Ou, o que todos andam me cobrando, quem sabe eu já fosse até noivo de alguém e estivesse prestes a casar? Várias vezes me pego dando comida na colher para um sentimento de culpa que me assalta quando penso nos "parabéns" que deixei de dar em aniversário de amigos, das oportunidades que perdi de rever gente querida, do desempenho no estágio que poderia ser melhor. Esse sentimento de culpa aparece na frente toda vez que alguém elogia algo que fiz ou me incentiva a prosseguir com algum projeto promissor. Ele gosta de dar as mãos para a procrastinação e rir da minha cara com uma plaquinha de "potencial desperdiçado" nas mãos.

"Você é desorganizado demais para morrer aos 27 anos e deixar um legado". Eles riem.

Olho nos olhos da culpa e da procrastinação com um nó na garganta e uma vontade de enfiar um murro na cara delas. Mas elas tem a mesma face que eu. Aquela face com olheiras e sem photoshop. A face que eu não gosto de mostrar para todos aqueles que dizem me admirar. A admiração deles alimenta o meu eu de gravata borboleta e minha face sorridente nas fotos do Instagram. Uma face que muitos vão olhar e desprezar. Outros chegarão a este ponto do texto e ficarão horrorizados: como você pode se expor assim? Se vulnerabilizar dessa forma? Você tem uma imagem a zelar! Você não pode ser tão humano assim na profissão que escolheu!

Seis pessoas viram essa face no último mês. Dois amigos queridíssimos, minha mãe e as três pessoas que são o meu único Deus. Eles viram essa face por que eu percebi que me afundei dentro de mim mesmo com meus problemas. Tornei-me o espelho negro que tanto critiquei e me vi com a tela rachada da vinheta da série "Black Mirror".
E percebi que enfrentar meus problemas sozinho só ia me afundar mais. Olhei-me no espelho com meus próprios olhos e esse foi meu erro.

Recentemente, um sermão de uma psicóloga no meu estágio me fez pensar em algo: não fomos criados para nos enxergar. Nosso corpo não é biologicamente criado para que nos enxerguemos. Criamos para isso diversos artifícios: espelhos, fotografias, a câmera frontal do celular. Nós fomos criados para nos enxergar aos olhos do outro. Não aos nossos próprios. Mas estamos imersos na cultura do individualismo. Muitos criticam a cultura da selfie, mas ela é só um dos milhares de sintomas de uma geração que se afunda cada vez mais dentro de si mesma e cria personagens para lidar com o outro.

E percebi que na profissão que eu escolhi eu preciso ter muito mais jogo de cintura do que isso. Não posso me expor realmente. Muitos membros da minha igreja no futuro não saberão lidar com uma figura de liderança que parece fraca aos olhos deles. Por outro lado, muitos outros precisarão enxergar que todos nós somos humanos o suficiente para errar, falhar e simplesmente sermos humanos. Num mundo e, principalmente, num país onde estamos cansados de sermos enganados, ludibriados, de ver líderes corruptos, ansiamos por um mínimo de honestidade. Mas os outros que precisam dá-la a nós. Nós mesmos não queremos oferecê-la. Continuamos nos relacionando com os personagens que criamos. Isso me fez MUITO mal neste último ano.

Por isso resolvi me expor a alguns amigos e a Papai. E quando fiz isso... Quando expus a eles a minha imagem, eles me devolveram quem eu sou aos olhos deles. Eu esperei olhares de julgamento e um manual de como ser melhor do que sou e tudo o que recebi deles foi o amor que eles decidiram derramar sobre minha cabeça. Claro, o amor é aquele molho agridoce na salada. Não é sobre passar a mão na cabeça e dizer que está tudo bem. É claro que eu preciso tomar vergonha na cara e fazer o que eu preciso fazer ao invés de ficar me lamentando, afundado em autopiedade. É claro que preciso crescer, me organizar, aproveitar o potencial que ainda não aproveitei. Mas só conseguirei fazer isso se eu enxergar o que os outros enxergam em mim.

Principalmente: o que o Pai enxerga em mim.

O problema começa quando eu passo a medir meu sucesso a partir das minhas conquistas pessoais, baseadas na minha vontade de crescer e alimentar meu ego. Duas coisas me pegaram de jeito essa semana. A música "Liberdade" da Priscila Alcântara que diz que "a liberdade me chamou de canto e disse assim: não deixe nada te dizer quem você é, você é o que vê em mim". E Romanos 12. Romanos 12:3 diz que não podemos ter de nós um conceito elevado demais. Pensar mais de nós do que convém. O conceito que devo ter de mim mesmo deve ser medido a partir da medida de fé que o Pai me deu. E, apesar de ainda ser teimoso, de ainda ser fruto da sociedade que só crê no que vê e no que toca, o Pai tem me dado, desde sempre, motivos de sobra pra ter fé.

Quando eu tomo da culpa o espaço no meu coração e o devolvo à gratidão, eu percebo quão abençoado eu sou. Estou longe de ser um privilegiado na nossa sociedade. Estou longe de estar com a minha vida nos eixos. Estou longe de ser uma pessoa que alcançou seus objetivos. Mas nunca estive tão perto da felicidade. Ela anda do meu lado, flertando comigo enquanto olho meu reflexo nos olhos dos meus amigos, da minha família... Nos olhos de Deus.

Aos 27 anos eu sei vários dos meus defeitos e qualidades, mas sei também que ainda tenho MUITO o que aprender sobre mim e sobre os outros. Aos 27 anos eu tenho uma família incrível que me ama, apesar de mim. Aos 27 anos estou na minha segunda graduação. A graduação que eu escolhi baseado no que creio que Deus escolheu pra mim. A segunda graduação que faço e é a segunda vez em que estou fazendo que eu quero, o que almejei. Aos 27 anos eu tenho mais amigos do que consigo gerenciar. Todos incríveis, todos pessoas complexas, maravilhosas, cada uma à sua maneira. Pessoas que são meu oposto. Outras que são tão parecidas comigo que assusta. Pessoas que têm me ensinado mais sobre mim do que sonhei. Aos 27 anos, nunca me senti tão à vontade com meus sonhos. Ainda tenho meus livros pra escrever, meus projetos musicais, minha profissão pra desenvolver, mas agora sinto que Deus me deu mais repertório pra trabalhar com eles. E colocou pessoas incríveis na minha vida que me ajudam e me ajudarão nesse projeto. Aos 27 anos eu cresci, mas ainda sou aquela criança no quintal conversando sozinha, criando minhas próprias histórias, com trilha sonora, elenco e tudo o mais. Mas agora eu tenho pessoas para compartilhar essas histórias.

Aos 27 anos eu me olhei no espelho e gostei da bagunça que sou. Não que eu vá continuar essa bagunça. Minha caminhada é sobre entregar essa bagunça ao Pai, que também ama toda essa bagunça, mas quer organizá-la até que chegue o dia em que a perfeição DELE cobrirá todos nós.

E eu estou escrevendo esse textão por que quero te convidar pra essa caminhada comigo. Pega minha mão aqui, e vem... Vamos nos olhar nos olhos e nos enxergar uns através dos outros e todos com os olhos daquele que nos olha com o maior amor do mundo. Não vai ser fácil não, viu? Vai ser tenso, por que precisamos abrir mão do ângulo perfeito da foto, do filtro, do photoshop, da maquiagem, de quem construímos para ser nossa persona. E largar tudo isso é a coisa mais difícil pra se fazer, por que significa olhar num espelho que mostrará nossos maiores medos, fraquezas e inseguranças. Mas quando as virmos com os olhos das pessoas que nos amam... Ah... Vai valer a pena.

Oh, se vai...



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