De homem pra homem: Não dê flores no Dia da Mulher...

AVISO: O texto abaixo não contém palavras de baixo calão, mas contém expressões que escandalizariam muitos se ditas no púlpito da igreja, mas que são extremamente necessárias para essa conversa.


Ok, Brothers
Vamos ter um papo de macho agora. De homem pra homem mesmo - embora as mulheres sejam mais do que bem vindas na conversa.
Falemos sobre mulheres, nosso assunto favorito.
Como hoje é dia da mulher, nossa tendência é dar um parabéns e dizer como são bonitas as mulheres da nossa vida. Não tem nada de errado com isso. Mas... O dia da mulher não é sobre as flores e abraços (muitas vezes usado por nós pra tirar uma casquinha, sejamos honestos).
Hoje é dia, na real, da gente parar pra refletir sobre o nosso relacionamento com elas (e olha, não estou falando aqui apenas para homens heterossexuais... Sei de muitos caras que acham que, por causa de sua homossexualidade, podem tratar as amigas, mães e irmãs do jeito que bem entendem).



Nessas férias me peguei incomodado com minha atitude. Algumas vezes me peguei sentado assistindo série, enquanto minha mãe e minha irmã preparavam a minha comida. E eu fiquei incomodado não apenas por perceber que eu era o único no ambiente que não estava engajado no trabalho, mas também por sacar que aquilo era tão natural pra homens e mulheres, que elas se pegam surpresas quando me ofereço pra ajudar. Mas o que mais me incomodou foi o próprio incômodo que é, pra mim, deixar de ser servido pra ajudar a servir nas tarefas domésticas.

Eu sei que existem exceções. Homens que foram bem educados por famílias que sempre distribuíram os trabalhos domésticos de forma igualitária. Mas eles são exceção à regra, uma exceção da qual, infelizmente, eu não fiz parte. E é bizarro admitir isso, por que realmente me sinto um babaca verbalizando isso num texto que não sei onde vai chegar e quem vai ler. Mas estamos num momento histórico delicado onde a honestidade pode fazer toda diferença.

Outra coisa que me incomoda bastante é o fato de eu ter demorado mais de 25 anos da minha vida pra perceber as pequenas coisas que nós esquecemos de fazer por elas ou coisas que nós não deveríamos fazer, e fazemos. E como nós, por sermos cavalheiros, ou por respeitarmos nossas mães e irmãs, ou mesmo aqueles de nós que dizem apoiar o feminismo, por causa dessas coisas que não passam de obrigação, nos sentimos no direito de dizer e fazer certas coisas. Ou de não dizer e não fazer outras.

Quer mais exemplos, além do clássico ficar sentado enquanto as mulheres da casa fazem todo o trabalho?

Eu já cantei mulheres na rua. Não é do meu feitio, sempre achei meio errado. Mas nós, homens, adoramos afirmar nossa masculinidade diante dos outros, pra ninguém desconfiar dela. Então sim, já fiz piada sobre os "coxões" de uma moça que estava passando na rua, só por que era engraçado fazer isso com meus colegas de trabalho por perto. Eu achei que ela ia se sentir lisonjeada naquela época, mas ela olhou constrangida para o carro e puxou a bolsa pra mais perto do corpo.

Foi nesse dia que eu percebi: cantadas não são elogios. Você, companheiro hétero, aposto que fica muito incomodado quando outro homem, homossexual, mexe com você na rua. Aconteceu comigo uma vez e eu fiquei BEM irado. É invasivo, certo? A gente não se sente elogiado. É como se alguém com quem não temos intimidade e de quem não gostamos, de repente se metesse em nossa vida sem ser chamado. Pois é. É isso que as mulheres sentem quando mexemos com elas. E com um adendo: elas têm medo de ser estupradas.

E aí quando uma delas reclama pra nós sobre ser assediada na rua, nós já pensamos: "Ah, mas olha as roupas que você usa!"
E não me entendam mal. As mulheres também gostam de apreciar o corpo masculino. Eu sei por que tenho várias amigas e elas olham sim para os peitorais de homens malhados e para os traseiros também (fica aí a dica para os marombas que adoram mostrar o peitoral e têm vergonha de trabalhar os glúteos na academia haha). E, antes que meus colegas cristãos fiquem escandalizados, eu não sou a favor de ninguém olhando com desejo para o corpo de ninguém. Não devemos mesmo.
Mas sejamos honestos: A gente gosta SIM de ver mulheres expostas na rua. Nós somos criados pra isso, pra olhar para o traseiro, as pernas, os seios. Se não olhamos, seremos vistos como "boiolas" (termo que renderia outro textão). E usamos desculpas pra isso. Principalmente dentro da igreja, temos mania de transferir a culpa do nosso pecado para objetos e pessoas externas a nós.

Culpamos o funk carioca pela nossa promiscuidade. Culpamos os filmes e jogos violentos por nossa agressividade. E culpamos as mulheres pela nossa própria perversão, alimentada por uma cultura que faz com que olhemos para as mulheres como criaturas "gostosas" expostas para nosso consumo. Aliás, nossos pais, tios, primos mais velhos CRISTÃOS estão sempre dizendo que é melhor olhar pra bunda e mulher, ficar com todas e pegar todas e ter a vida promíscua com as mulheres do que ser "viado". Aqui, brothers, quando o assunto é sexualidade relacionada à vida cristã, não tem dessa. Promiscuidade é pecado pra quem é hétero tanto pra quem é homossexual. Isso também rende mais livros e livros de textão, mas a Bíblia é bem clara em relação à santidade do sexo, reservado para um contexto de aliança eterna entre duas pessoas.

Usamos até mesmo argumentos pseudo-teológicos para colocar a culpa nas mulheres. Falamos sobre se vestir com decência, modéstia cristã. As mulheres não podem mostrar o corpo. Mas por que podemos? Eu que sou gordo, já evito naturalmente mostrar o corpo, mas e você, brother maromba que adora exibir seus músculos no Instagram? A regra do "não mostrar o corpo" só vale pras mulheres? (E aqui a carapuça se assenta. Não sei se eu teria o mesmo pudor que eu tenho se eu fosse musculoso).
E eu sei o que você está pensando: as mulheres não são tão visuais quanto os homens, nós homens somos naturalmente mais propensos a olhar etc etc. Eu sei por que eu já usei exatamente os mesmos argumentos. Mas isso não é nos reduzir a animais sem auto controle? Estamos realmente inventando desculpas pra pecar? Afinal, se Deus nos criou com esse "instinto", isso provavelmente é usado pra desculpar nosso comportamento, nossos olhos que "comem" as mulheres de forma tão óbvia e desrespeitosa que faz muitas delas ter medo de nós.

Olhamos para as mulheres e, pela roupa com que estão vestidas, as definimos e separamos como se fossem animais escolhidos para o abate: aquela é pra pegar, aquela é pra casar. Aí depois de pegarmos, usarmos, brincarmos com as que são "pra pegar", achamos aquela que é pra casar. Finalmente temos que aquietar nosso facho. Aí dentro do relacionamento, tudo passa a ser sobre nós e quase nunca sobre elas. Nos ocupamos em reclamar quando elas resolvem cortar o cabelo, quando elas colocam uma roupa um tanto mais curta, por que outros homens "safados" (como nós), vão olhar pra ela. Nos ocupamos em ficar chateados por que elas têm seus próprios amigos e não nos acompanham nos nossos programas. Nós cobramos uns dos outros não mudarmos quando começarmos a namorar, mas ela precisa mudar e se afastar dos amigos e amigas dela para que nosso círculo de amizades permaneça o mesmo. E quando vamos casar, sustentamos com orgulho uma camisa com pictogramas vestidos de noivos em cima de letras garrafais que formam as palavras "GAME OVER". E ainda contamos as piadas sobre a última palavra ser delas, quando na verdade, dificilmente conseguimos lidar com decisões tomadas sem nosso consentimento.

Adoramos dizer como nós homens somos mais unidos do que as mulheres, e como elas possuem línguas tão grandes que são desunidas, falam mal umas das outras, venenosas.  Somos tão unidos que quando uma delas diz que foi assediada por algum conhecido ou alguém que admiramos, nós duvidamos, dizemos que provavelmente ela interpretou errado ou está sendo dramática. E aí quando esse cara desmente a denúncia, somos apressados em dizer: "Tá vendo, acho que ninguém deveria julgar antes de chegar no tribunal". O tribunal dominado por homens que tendem a acreditar mais uns nos outros do que nelas, por que nós somos unidos. Muito mais unidos do que elas. Rimos das piadas envolvendo a burrice de uma "gostosa", rimos de piadas como "hoje é dia da mulher, então hoje lavamos a louça", rimos de piadas sobre como mulheres dirigem mal, rimos pelas costas das meninas "vagabundas" que "deram" pra todos os nossos conhecidos enquanto damos palmadinhas nas costas dos amigos que pegaram todas as nossas conhecidas.

Então, finalmente, quando elas superam esse estereótipo e encontram algo em comum sobre o qual lutar, nos ofendemos.Queremos separá-las e mantê-las sem compartilhar as suas próprias experiências por que adoramos ostentar nossa irmandade masculina. Dizemos que elas estão sendo dramáticas. Dizemos que elas estão sendo comunistas que não são cristãs, simplesmente por que descobriram que muito da nossa cultura e nossas definições sobre o que é ser homem e mulher NÃO veio da Bíblia e sim da sociedade - dos homens. Jogamos as taxas de morte e suicídio maiores entre os homens, colocando-nos como vítimas da sociedade, quando na real, o suicídio e a morte é maior entre os homens justamente por que o machismo ensinou que não podemos desabafar, ir ao médico, chorar, nos mostrar frágeis, pois temos que ser "machos". Dizemos que elas são radicais e estão querendo ser superiores a nós. Ou  que querem ser iguais aos homens, quando obviamente são diferentes.

Biblicamente há sim diferenças básicas de função de homem e mulher, sobretudo se pensamos na criação da humanidade com propósitos. Mas podemos ser diferentes e cumprir funções diferentes nos mesmos lugares, recebendo o mesmo respeito, o mesmo salário, os mesmos direitos. Construímos nossas noções de masculino e feminino baseados na cultura da nossa sociedade e não na palavra, e depois dizemos que é teologia e usamos como desculpa pra diminuir as mulheres. Muitas vezes, inclusive, diminuímos as mulheres com elogios, com palavras que as deixam mais suaves e submissas a nós. Adoramos levantar a bandeira bíblica do "mulheres, sede submissas aos vossos maridos", e esquecemos que "maridos, amem suas esposas como Cristo amou a igreja" envolve o amor abnegado e carregado de escolhas submissas de Jesus.
Selecionamos o que nos interessa, o que nos mantém no poder, o que nos deixa na nossa posição de privilégio.
Quando vamos traduzir Provérbios 31:10, olhamos para a palavra חַ֭יִל (hayil) e sabemos que ela pode ser traduzida como "valente", "rica", "bem sucedida", mas preferimos traduzir como "virtuosa", um adjetivo bonito e gracioso, que mantém as mulheres dentro dos nossos padrões de definição da feminilidade. Lemos o texto e adoramos a parte que fala que ela faz seu marido feliz. Mas não gostamos de quando a mulher "virtuosa" escolhe o terreno pra construir a casa, vai negociar nos muros da cidade e é louvada por todos lá, enquanto desfruta os benefícios do próprio trabalho (Provérbios 31:10-31).

Eu não quero aqui ser o homem "feministo", "esquerdomacho", que diz tomar as dores das mulheres e levanta uma bandeira. Até por que eu ainda tenho MUITO o que melhorar. Sou como vocês, manos... Sou homem, homem criado pra olhar a mulher, objetificá-la e respeitá-la, não por que ela merece respeito e sim por que eu tenho que ser um homem de respeito (e a diferença parece sutil, mas é extremamente significativa).
Não quero diminuir nossa importância como homens. A maioria delas também não quer isso. Não quero também exterminar o "cavalheirismo" ou a belezura que é dar flores num dia especial. Mas dar flores é a última coisa que precisamos fazer. O que precisamos fazer é bem simples, embora não seja fácil: ouvir.

Ouvir o que elas têm a dizer. Tanto como um grupo coletivo, quanto como seres individuais. Não ouvir com nossos filtros sociais masculinos que já nos dizem que mulher "faz drama mesmo". Levemos a sério o que elas tem a dizer. E sempre reconhecendo o lugar social de onde ouvimos e falamos. Temos sim que falar sobre o lugar da mulher na sociedade, mas tendo em vista que estamos falando de um lugar BEM diferente do lugar delas. Estamos falando de um lugar onde somos ouvidos com mais respeito do que elas. Estamos falando de um lugar que é tão diferente que precisamos lembrar que, por mais empáticos que sejamos, nós não sabemos o que é ser uma mulher vivendo na nossa sociedade dominada por nós, e pelos nossos egos machistas. E sim, eu concordo com essa ideia do lugar social, pois sem bem que se você é um brother branco, você dificilmente vai entender algumas questões sobre o que eu, como homem negro, passo. Só consegui entender que eu realmente não entendo o que é ser uma mulher numa sociedade machista, quando passei a perceber o que é ser um homem negro numa sociedade racista.

Não tenha medo de ser um homem que valorize a mulher a ponto de não olhar para os peitos dela antes de olhá-la nos olhos. Não tenha medo de ser um homem que resista a tentação de virar o pescoço 180° e soltar uma cantadinha suja. Isso não faz da gente menos homem. Isso é um mito contado de pai pra filho há tantos anos que é difícil traçar o caminho de volta. Se somos homens cristãos, principalmente. Precisamos olhar para mulheres como nossas ajudadoras, não ajudadoras no sentido de ajudante subordinada, mas como a עֵ֖זֶרכְּנֶגְדּֽוֹ (ezer kenegdo) de Gênesis 2:20, termo de honra, geralmente usado para a ajuda que só Deus pode conceder ao homem, mas usado também para a mulher, que nos completa e nos ajuda a fazer exatamente o que nós homens fazemos. Precisamos olhá-las como a mulher valente de Provérbios 31.

Por isso digo, de homem pra homem: não dê flores no dia da mulher. Dê a si mesmo. Ofereça como presente sua força de vontade para reconhecer que estamos num lugar que nos é dado, e de onde podemos realmente fazer a diferença. Se somos tão machos assim, não vamos ter medo nenhum de parecermos babacas e trouxas pouco másculos para nossos amigos. Só assim teremos uma pequena chance de termos relacionamentos saudáveis.

Esse é o desejo sincero de um cara que tá apenas tentando descobrir como ser um homem melhor para minha mãe, minha irmã, minha avó, minhas tias, minha futura esposa e (talvez) filha. Um homem que sabe que não é melhor nem pior do que nenhuma mulher, mas só descobriu isso quando percebeu que a sociedade me colocou - em diversos aspectos - num pedestal um pouco acima do chão que elas pisam.


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