A Representação do Negro na Revista Nosso Amiguinho - Parte 1: O que é representação?




Como eu disse no início da semana, eu vou postar aqui meu artigo a respeito da representação do negro na revista Nosso Amiguinho, que escrevi para o Adventcom (I Congresso Adventista Norte-Americano de Pesquisadores em Comunicação). Vou postá-lo em três partes, uma por dia, com o texto alterado pra ficar melhor para ler. Para iniciar a discussão é preciso estabelecer alguns termos. O principal deles é a representação. Muito se fala de representação e representatividade, e todos nós temos ideias sobre o que isso significa na nossa cabeça. No geral essas ideias tocam no significado da palavra, mas academicamente, ela carrega mais conceitos do que estamos acostumados a associar com a ideia de representação e também com outros conceitos, como o estereótipo.

Apesar de ligeiramente adaptado, o texto está na linguagem que escrevi no artigo, feito basicamente de citações, então não se assuste. Talvez você tenha que (eu pelo menos precisei rs) ler e reler as citações dos autores que usei para absorver o conceito, mas ao final, eu vou fazer um resumo mais conciso que é importante para entender o que vem a seguir.

Woodward, citado por Sammara Cristina Sousa Raposo (2012, p.47), define representação da seguinte forma:

A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e aquilo que somos.

Uma definição mais simples vem também de Romildo Sérgio Lopes (2012), com base em Denise Jodelet, a partir de quem ele estabelece que “a grosso modo [...] representações sociais são a redução de eventos complexos ou desconhecidos ao senso comum para que possam ser acomodados em nosso repertório e compartilhados comunicativamente” (p.3). 
Em seu A identidade cultural da pós-modernidade, Stuart Hall (2005 - não dá pra falar de representação sem falar desse cara) discute a formação de identidade de uma nação e destaca que “as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação” (p.48) e que só sabemos o que significa ser de certa nacionalidade devido à forma como ela vem a ser “representada – como um conjunto de significados – pela cultura nacional” (p.49). De acordo com ele, “esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas” (p. 51). Ele ainda destaca alguns elementos que contam a narrativa nacional, que é fornecida nas “histórias e nas literaturas nacionais, na mídia e na cultura popular” e como “nos vemos, no olho de nossa mente, como compartilhando essa narrativa” (p. 52). Por fim, nessa discussão, ele coloca que “as identidades nacionais não subordinam todas as outras formas de diferença e não estão livres de jogo de poder, de divisões e contradições internas, de lealdades e de diferenças sobrepostas” (p.65).

Ana Célia da Silva (2011), em sua análise a respeito da representação do negro nos livros didáticos, destaca a importância da representação social diante do “grande volume de teorias e fenômenos transmitidos na sociedade” que não poderia ser analisado e corroborado apenas pela “experiência individual”. Com base no psicólogo social Serge Moscovici, ela argumenta que “os significados transmitidos através do conhecimento e realidades diretas são limitados em relação aos conhecimentos e realidades transmitidos através da educação, meios de comunicação e instituições”. Apesar disso, ela segue a mesma lógica de Hall ao destacar que “a representação de uma realidade ou objeto não corresponde à sua percepção real” (p. 28) e, sua função inicial de tornar o estranho familiar pode acabar se transformando e se apresentando de uma forma que, ao invés de aproximar, afasta e exclui, como ela observou na representação do negro nos livros didáticos (SILVA, 2011, p. 29).

Essa mesma dinâmica de argumentação é observada no trabalho de Nobuyoshi Chinen (2013) em sua análise sobre os estereótipos no humor gráfico - agora, já entrando . Ele destaca que 

numa forma de expressão que é ao mesmo tempo um meio de comunicação em massa, como os quadrinhos, a intenção é fazer com que o leitor rapidamente identifique o personagem retratado, sem precisar de maiores explicações. Na necessidade de apresentar um negro, um oriental, um judeu, somente por meio de traços, modos e sotaques, a simplificação e estilização acabam sendo uma exigência da limitação das técnicas de reprodução gráfica. Mas essa generalização, muitas vezes, esbarra no arriscado limite que é tornar-se ofensivo. (CHINEN, 2013, p. 76)

Bruno Mazzara (citado em CHINEN, 2013, p.76) define estereótipo como “um conjunto coerente e bastante rígido de crenças negativas que um certo grupo compartilha em relação a outro grupo ou categoria social”, e também para definir o limite entre o exagero necessário e o que se torna estereótipo.

O que marca a diferença é o grau de intensidade de ambos os processos: na ausência de outra informação, um certo grau de generalização permite formular previsões; um grau excessivo impede de captar as matizações individuais ou talvez a absoluta falta de correspondência entre o indivíduo real e o que é traçado pelo estereótipo; é necessário um mínimo de coerência e estabilidade para que o estereótipo seja útil na interpretação dos outros. (MAZZARA, 1999 citado em CHINEN, 2013, p. 76)


Em consonância com o conceito apresentado anteriormente sobre representação social, Chinen ainda discorre sobre como as pessoas ditas “normais” criam expectativas em relação às outras pessoas, de outros grupos criando uma série de atributos que deveriam definir esses grupos (etnias, religiões, dentre outros) e “quando essa imagem que constitui a identidade social virtual não corresponde à identidade social real, cria-se o estigma”. De acordo com ele, ao entrar no processo de construir a própria identidade, o indivíduo dispõe desse referencial, que, por ser o “modelo dominante e consensual, passa a ser o ideal buscado, mesmo que não corresponda à sua realidade” e esse pode ser um grave problema quando estamos tratando de crianças e adolescentes, pois a elaboração da personalidade destes “pode entrar em choque com os padrões de cor, credo ou valores de seu grupo” (p. 77). Por essa razão que, para Silva (2011), “a representação humanizada nos livros didáticos é muito importante para a criança negra na construção de sua autoestima e identidade étnico-racial” (p. 137).

Em resumo:
Representação tem a ver com um conjunto de ideias construídas culturalmente para simplificar nossa vida na hora de entender como as coisas funcionam, mas não só isso, as representações são o que dá significado à maneira como enxergamos o mundo e as pessoas. Isso tem a ver com a representação gráfica (seja em quadrinhos, ilustrações, propagandas , filmes, séries etc), quando se diz respeito a criar um modelo de personagem que seja facilmente reconhecido por nós socialmente.
Mas, como os autores que usei destacam, as representações não estão livres de carregar em si exageros produzidos por jogos de poder e interesse, ou, no caso da nossa discussão, preconceito. Muitas vezes as representações formadas na nossa mente (individual ou coletiva) não corresponde à realidade das coisas, criando os preconceitos e os estereótipos. A mesma coisa acontece com a representação gráfica: ela pode criar um estigma que faz com que as pessoas assumam coisas, às vezes inconscientemente, sobre grupos representados sempre de forma estereotipada na mídia e nos meios de comunicação e educação. A análise leva à conclusão também que, por isso, na hora de se criar representações gráficas, elas precisam ser conscientes e responsáveis. É grande a influência destas no pensamento geral e , sobretudo, na construção da identidade do povo, principalmente das crianças e dos adolescentes.


Referências:
RAPOSO, S. C. S. A representação da criança negra nas histórias em quadrinhos: possibilidades educativas a partir da lei 10.639/03. Universidade Estadual da Paraíba, 2012. Disponível em <http://bit.ly/2vmZbcp> Acesso em: 26 jun. 2017.
LOPES, R. S. Representação dos negros nos quadrinhos americanos: identidade e alteridade. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 25., 2012, Fortaleza. Resumos eletrônicos... Fortaleza, CE: Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2012. Disponível em: <http://bit.ly/2v1sWP3> Acesso em: 26 jun. 2017.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
SILVA, A. C. A representação social do negro no livro didático: o que mudou? Por que mudou?. Salvador BA: EDUFBA, 2011.
CHINEN, N. O papel do negro e o negro no papel: representação e representatividade dos afrodescendentes nos quadrinhos brasileiros. Universidade de São Paulo, 2013. Disponível em <http://bit.ly/2vu5Gd4>. Acesso em: 23 de jun. 2017.

_________. A construção do preconceito na representação dos negros nos quadrinhos. 9ª arte: revista brasileira de pesquisas em histórias em quadrinhos. São Paulo, v. 2, n.2 74-90, 2º sem. 2013. Disponível em < http://bit.ly/2v1e9nk>. Acesso em: 23 de jun. 2017.

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